domingo, 27 de abril de 2008

Entre Laço

As caixas de papelão estavam espalhadas pela casa, a noite estava fria, ela estava vestida de moletom cinza, sentada no sofá, com um copo de leite na mão, assitindo à TV. Ela estava no lugar certo, mas havia deixado pra trás tantas coisas pela metade e outras tantas apenas planejadas. A noite fria era de sábado e o vestido estava em cima da cama, mas ela não queria sair mais uma vez pra se perder nas horas, nos líqüidos, nos fluidos, pra depois ter que se achar em um apartamento qualquer com a boca seca e a cabeça doendo. Tinha em uma mão o celular, na outra uma caneta e nas pernas, em cima de uma almofada, um papel. Estava diante do branco chamativo de um papel sem rabisco algum e esperava que suas idéias se organizassem. Colocou nas palavras toda a solidão de um apartamento cheio de caixas e o sentimento de impotência gerado por tudo que deixou pra trás. As palavras eram o único refúgio certo, eram sua proteção, sempre foram. "A vida foi feita pra ser vivida, pra ser dita, exposta, os sentimentos e pensamentos não deveriam ser transformados em segredo. A juventude é tola, se esconde por trás do medo de viver de verdade e só percebe tudo o que perdeu quando tudo o que sobrou foi o medo do tempo, do pouco tempo que têm pra fazer tudo o que queriam e não tinham coragem." O papel estava cheio de marcas acinzentadas do grafite do lápis e ela percebeu que sempre escreve o que quer ouvir, sempre ouve o que precisa, mas nunca faz o que deve. É fácil se sentar no sofá sábado à noite e ver TV, difícil é vencer o medo e sair pra encarar a vida. "Eu vivo de palavras. Penso, digo, escrevo. Acho tudo muito bonito, acho tudo muito propício, mas não sigo."

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